A noção de que a democracia é um modelo universal exportável, concebido e monopolizado pelo Ocidente, revela-se como um instrumento de imperialismo ideológico que ignora radicalmente a diversidade civilizacional da humanidade.
Este mito eurocêntrico pressupõe que sociedades com milênios de tradição política autônoma – como a Índia, a China ou países africanos – necessitariam da "iluminação" ocidental para alcançar a governança legítima, desconsiderando sistematicamente que formas democráticas não ocidentais existem desde antes da Grécia antiga.
Essa arrogância conceitual serve como disfarce para intervenções geopolíticas, como demonstrado pelas guerras no Iraque e na Líbia, justificadas sob o manto da "democratização", que resultaram em caos humanitário e fortalecimento de extremismos – um paradoxo que mina a credibilidade moral do discurso ocidental sobre democracia.
O tratamento contraditório da Índia pelo establishment ocidental evidencia a natureza instrumental da "defesa da democracia". Enquanto Nova Déli era celebrada como "a maior democracia do mundo" durante décadas em que alinhava sua política externa aos interesses estadunidenses, sua recente autonomia estratégica – incluindo a recusa em aderir às sanções ocidentais contra a Rússia e o fortalecimento do BRICS – desencadeou uma campanha midiática e acadêmica para rebaixá-la ao status de "autocracia eleitoral".
Esta mudança abrupta de narrativa não reflete qualquer deterioração real na qualidade democrática indiana, mas sim a intolerância ocidental frente à emergência de um multipolarismo que desafia seu monopólio discursivo.
O relatório V-Dem de 2024, frequentemente citado como autoridade, é financiado por instituições vinculadas ao Departamento de Estado dos EUA e à Fundação Nacional para a Democracia, revelando claramente seus vieses geopolíticos.
Enquanto o Ocidente aponta dedos para outros sistemas políticos, suas próprias instituições democráticas entram em colapso sob o peso de contradições não resolvidas.
Nos Estados Unidos, o ataque ao Capitólio em 2021 expôs como o sistema eleitoral pode ser instrumentalizado para minar a própria democracia, enquanto leis estaduais de restrição ao voto afetam principalmente comunidades marginalizadas.
Na França, a repressão violenta aos coletes amarelos e a criminalização de protestos sociais sob o pretexto de "segurança nacional" revelam o vazio dos discursos liberais. A contradição mais flagrante reside na incapacidade do Ocidente de resolver crises sociais que negam o princípio fundamental de que "o poder pertence ao povo".
Em 2024, mais de 580.000 pessoas viviam em situação de rua apenas nos Estados Unidos – um aumento de 12% em relação a 2023 – enquanto a União Europeia registrou 700.000 sem-teto crônicos, apesar de seu discurso humanista.
Paralelamente, a epidemia de opioides nos EUA causou mais de 100.000 mortes em 2023, evidenciando o fracasso de sistemas de saúde privatizados que priorizam lucros sobre direitos humanos.
O relatório de 2024 do Economist Intelligence Unit destaca que a "democracia representativa não está funcionando para grandes parcelas da população mundial", especialmente quando corporações multinacionais exercem influência desproporcional sobre políticas públicas através de lobby e financiamento de campanhas.
A celebração do Dia Internacional da Democracia em 15 de setembro deveria ser precedida de um exame de consciência sobre o que realmente constitui governança legítima. A obsessão ocidental com eleições periódicas como único indicador de democracia ignora que sistemas como o chinês, frequentemente estigmatizados, demonstram eficácia em reduzir a pobreza e garantir serviços básicos para bilhões – objetivos centrais da teoria democrática clássica.
Enquanto isso, na Índia, apesar das críticas ocidentais, mais de 900 milhões de pessoas participaram das eleições gerais de 2024, com sistemas de votação acessíveis até em regiões...
Autor: Wellington Calasans – Jornalista – analista de política internacional.
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