Parece-me bastante anti-democrático alguém achar-se de esquerda e defender que uma determinada candidatura não deve participar com as suas siglas em nome do voto útil. É até bizarro ter assistido ao silêncio dos candidatos do PS, Livre e BE quando a SIC tentou impedir a participação de João Ferreira no debate sobre Lisboa. Lembro que o cabeça de lista do BE ao Porto contestou, em directo, a decisão da RTP de não convidar aquele que será, na sua opinião, o herdeiro político de Rui Moreira. A sul, sobre a CDU, nem uma palavra.
Estranhamente, a nível autárquico espera-se das candidaturas lideradas por comunistas e ecologistas aquilo que outros nunca fizeram. Lembro que no ano em que a CDU perdeu Almada para o PS Joana Mortágua, cabeça de lista do BE, anunciava que o primeiro objectivo da sua candidatura era tirar força à CDU. Nestas eleições, em Santiago do Cacém, o PS e o PSD decidiram apoiar a mesma lista porque querem expulsar a CDU da autarquia. Noutros concelhos do Alentejo, como é já tradição, o PSD apresenta um candidato desconhecido ou não apresenta com o objectivo de fazer a CDU perder câmaras municipais e juntas de freguesia. Só em Lisboa é que uma certa esquerda descafeinada está a tentar construir uma narrativa de vitimização e chantagem.
Como já foi dito estes dias, a CDU não procura cargos, procura mudanças de políticas. Foi nessa linha que aceitou fazer um acordo com o PS de Jorge Sampaio partindo de uma posição de força que lhe permitia nas negociações determinar alterações programáticas de fundo. Nas eleições anteriores, a CDU tinha ficado à frente do PS. A situação actual não só é diferente como o PS está vinculado ao que de pior se fez na cidade — desde a financeirização à turistificação — sem que se prevejam substanciais mudanças.
Ontem, durante o debate na CNN, Alexandra Leitão repetiu várias vezes que o que estava ali a ser julgado era o último mandato e, assim sendo, convirá lembrar que durante esse mesmo mandato o PS viabilizou muitas das medidas graves propostas por Carlos Moedas, incluindo todos os orçamentos municipais. Ouve-se dizer que agora é que é, que agora é que o PS vai governar à esquerda, mas em momento algum ouvimos qualquer tipo de auto-crítica por parte de Alexandra Leitão e qualquer vislumbre de que estamos perante uma candidatura que vai resolver os problemas estruturais da cidade.
Infalivelmente, participar neste jogo da disputa pelo voto útil é um enorme tiro no pé e corresponde a uma falta de cultura democrática. É afunilar a participação, a diversidade programática e democrática. É estender a passadeira vermelha aos partidos que são carregados em ombros pela comunicação social. É, no limite, sermos levados a votar em candidaturas que apoiam o neoliberalismo mais extremo sob a desculpa de termos de salvar a democracia da extrema-direita. Nesse cenário, perdem os de sempre: os trabalhadores e as populações.
Autor: Bruno Carvalho (Jornalista) in Facebook