1. A Europa antes da explosão
Em 2021, a Alemanha era o coração industrial da Europa - alimentada por gás russo barato, transportado pelo Nord Stream 1 e pelo recém-concluído Nord Stream 2.
Essa energia acessível era o oxigénio da competitividade europeia, mantinha a inflação sob controlo e sustentava o modelo social do continente. Mas, do outro lado do Atlântico, essa ligação energética direta entre Berlim e Moscovo era vista com crescente inquietação. Washington via o Nord Stream como uma aliança económica perigosa: aproximava a Alemanha da Rússia, diminuía a influência dos EUA e ameaçava a hegemonia do dólar no comércio energético.
Em 2019, a RAND Corporation - think tank historicamente ligado ao Pentágono - publicou o relatório “Overextending and Unbalancing Russia”, delineando uma estratégia clara: enfraquecer Moscovo através de pressões indiretas e deslocar a dependência europeia para o campo americano. Entre outros objetivos, dizia esse relatório:
“Reduzir as receitas energéticas da Rússia, incentivando aliados europeus a diversificar o fornecimento de gás natural e restringir os projetos de gasodutos que a conectam diretamente à Europa Ocidental.” (RAND, 2019, p. 23)
Era o reconhecimento implícito de que o gás era tanto uma mercadoria como uma arma geopolítica.
2. A doutrina de contenção e o cálculo americano
O mesmo relatório recomendava explorar “vulnerabilidades estratégicas” russas, propondo:
- expandir as exportações de energia dos EUA para substituir as russas;
- impedir a conclusão de novos gasodutos (referência implícita ao Nord Stream 2);
- e reforçar o papel da NATO e das forças americanas no leste europeu.
Um segundo documento, de 2020 - “Extending Russia: Competing from Advantageous Ground” - aprofundava a tese: a dependência energética europeia limitava o alcance das sanções e enfraquecia a coesão atlântica. A recomendação era inequívoca:
“Os Estados Unidos devem explorar meios para quebrar a dependência energética da Europa da Rússia, mesmo que isso implique um reajuste económico doloroso de curto prazo para os aliados.” (RAND, 2020, sec. 3.2)
A “dor” europeia era vista como preço estratégico aceitável.
3. O ataque e o silêncio
Em setembro de 2022, quatro explosões submarinas destruíram trechos dos Nord Stream 1 e 2 no Mar Báltico. As investigações sueca e alemã confirmaram tratar-se de sabotagem deliberada, mas nunca apontaram oficialmente um autor. A Rússia insistiu que o atentado exigia “meios navais e tecnológicos de nível estatal” - algo que poucos países possuem.
Nos anos seguintes, vieram detenções de suspeitos ucranianos na Polónia e na Itália, mas nenhuma prova definitiva. O essencial, porém, tornou-se evidente: o único beneficiário geopolítico direto foi os Estados Unidos. A Europa perdeu o seu acesso à energia russa e ganhou uma dependência plena do gás liquefeito americano.
4. O pós-Nord Stream: a economia europeia no nevoeiro
Sem o fluxo energético barato do Oriente, o continente entrou em retração. A Alemanha - outrora motor industrial - viu fábricas encerrar ou deslocar-se para os EUA, onde o custo da energia era quatro vezes menor. As importações de gás natural liquefeito americano atingiram níveis históricos, e a Europa passou a pagar o preço de uma energia “de aliado”.
O resultado foi uma transformação estrutural: a Europa deixou de ser parceira da Rússia para se tornar cliente cativo dos EUA, não apenas em energia, mas também em defesa, tecnologia e política externa. O “fogão” das sinergias europeias, privado do combustível russo, passou a funcionar a gás importado e caro. A cozinha do progresso esfriou.
5. O preço da submissão
O Nord Stream não foi apenas um gasoduto destruído - foi o símbolo de uma mudança de época. A Europa perdeu a sua margem de autonomia estratégica. Os Estados Unidos conseguiram um duplo resultado: enfraqueceram a Rússia e prenderam a Europa ao seu ciclo económico e militar. A NATO consolidou-se como o instrumento político dessa dependência energética. Sob as águas frias do Báltico, selou-se a nova subordinação do Velho Continente - não à Rússia, mas a Washington.
6. Dos efeitos Nord Stream aos efeitos Trump
Mas a história não terminou com o gás. Com a vitória de Donald Trump em 2024, a dependência europeia entrou numa nova fase - agora económica e tarifária. Trump trouxe de volta a política das taxas alfandegárias e do protecionismo industrial, impondo tarifas sobre aço, automóveis e produtos verdes europeus. A Europa, já fragilizada pela crise energética, viu-se encurralada entre a escassez e a tributação.
O que começou com uma explosão no fundo do Báltico transformou-se numa pressão contínua sobre o continente. A Europa passou de dependente energética a tributária comercial. Trump apenas fez emergir a verdade escondida sob as ondas: a submissão não terminou com o Nord Stream - apenas mudou de forma.
Mas o mais ridículo é que a UE tem projetos urgente para se "defender". Defender-se da Rússia, que contribuía para a sua economia a preços acessíveis. Então quer gastar triliões de euros para comprar armas aos EUA - aquela nação que fez todos os possíveis para lhe prejudicar a economia em nome de uma geoestratégia de atacar a Rússia. Na pratica, a UE não se defende de quem a ataca. Defende-se de quem a ajudou. Tudo porque a Ucrânia se queixa de ser atacada, quando é um proxy da geopolítica dos EUA.
Epílogo
“Não é preciso conquistar um império para o dominar. Basta-lhe cortar as rotas de energia e vender-lhe o combustível - ou a tarifa - a preço de dependência.”
Autor: João Gomes in Facebook