O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, organizador do encontro virtual, denunciou que “a chantagem tarifária está a ser normalizada como instrumento para a conquista de mercados e a interferência em assuntos internos”, posição apoiada pelo seu homólogo Xi Jinping, líder da economia mais importante do bloco fundado pelo Brasil, Rússia, Índia e China, ao qual hoje também pertencem a África do Sul, Egito, Etiópia, Irão, Emirados Árabes Unidos e Indonésia.
O diálogo de alto nível representa uma continuidade temática e simbólica dos grandes eventos acolhidos por Pequim nas últimas semanas: a cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (OCS) na cidade de Tianjin e o desfile pelo 80.º aniversário da vitória sobre o fascismo japonês na Segunda Guerra Mundial, realizado na capital chinesa. Em ambos os fóruns, Xi teve a oportunidade de mostrar o seu poderio económico e militar e, acima de tudo, a consolidação de uma liderança global obtida de forma pacífica, baseada no comércio, na colaboração, no respeito à autodeterminação e no impulso decidido ao conhecimento como alavanca do desenvolvimento.
Para além do peso económico e geopolítico dos BRICS, esses encontros evidenciaram que já são dezenas os países decididos a avançar na construção de um mundo multipolar, apesar dos atos tão desesperados quanto contraproducentes que Washington vem realizando para prolongar a sua hegemonia. Há dois anos, o então senador e hoje secretário de Estado, Marco Rubio, queixou-se amargamente do acordo entre o Brasil e a China para evitar o uso do dólar, negociando nas suas próprias moedas. O republicano de extrema direita percebeu corretamente que isso significava a criação de uma economia “totalmente independente dos Estados Unidos”, que tiraria de Washington a capacidade de sancioná-los, e previu que, em cinco anos, haveria tantos países a negociar com outras moedas que o governo americano não poderia sancionar ninguém.
A partir da sua atual posição de poder, Rubio acelerou o processo que tanto temia: ao aumentar a pressão sobre os supostos inimigos e rivais dos Estados Unidos, não conseguiu subjugá-los, mas sim uni-los. Talvez o caso indiano seja o melhor exemplo do contínuo tiro no pé que significa o trumpismo aplicado às relações internacionais: desde a sua independência em 1947, a Índia tem oscilado entre a Rússia (antes União Soviética) e o Ocidente, num jogo de pragmatismo que a aproxima de um ou outro bloco de acordo com os seus próprios interesses e conveniências conjunturais, mas sempre com um objetivo central: manter a sua soberania diante de qualquer exigência de alinhamento. Com a sua torpeza e simplicidade, Trump empurra Nova Deli a romper décadas de equilíbrio e a optar por Moscovo e Pequim, deixando de lado até mesmo os conflitos territoriais não resolvidos que mantém com esta última.
Em suma, à medida que o BRICS e outros países tornam a multipolaridade uma realidade, os Estados Unidos afundam-se numa crescente irrelevância da qual não se vislumbra saída, por mais birras que façam Trump e os fundamentalistas agressivos que o acompanham.
Publicado originalmente em jornada.com.mx
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