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Indemnizações de guerra – ganhas, não se pagam
Publicado em 28/10/2025 12:30
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A história das indemnizações de guerra é, em essência, a história da força travestida de justiça. Desde a Antiguidade que os vencedores impõem aos vencidos o preço da derrota - tributos, ouro, territórios ou trabalho forçado. O que muda ao longo dos séculos não é o princípio, mas o modo de o disfarçar.

No século XIX, com o surgimento dos Estados modernos e das finanças internacionais, as reparações começaram a ser calculadas em números e tratados. Depois da guerra franco-prussiana, em 1871, a França foi obrigada a pagar cinco mil milhões de francos-ouro à Alemanha. Essa soma monumental financiou a unificação alemã e a industrialização que viria a mudar a Europa.

Mas foi no pós-Primeira Guerra Mundial que o conceito atingiu o seu auge - e o seu absurdo. O Tratado de Versalhes (1919) impôs à Alemanha derrotada uma indemnização impossível: 132 mil milhões de marcos-ouro, equivalente a quatro vezes o PIB alemão da época. O resultado foi o colapso económico, a humilhação nacional e, como se veria mais tarde, o terreno fértil para a ascensão de Hitler. As reparações, concebidas como punição, tornaram-se o germe de uma nova tragédia.

Aprendida a lição, o pós-1945 seguiu outro caminho. Em vez de asfixiar o inimigo vencido, os Estados Unidos promoveram o Plano Marshall, investindo na reconstrução da Europa Ocidental - inclusive da Alemanha. A lógica já não era a da vingança, mas a da estabilidade e da contenção do comunismo. Ainda assim, a Alemanha pagou reparações seletivas: à União Soviética, a Israel e a outros países devastados pela guerra. Era o último grande capítulo clássico das reparações impostas pelo vencedor.

Desde então, o mundo entrou numa nova era: a era em que, quem ganha a guerra, não paga.

Com o advento da hegemonia americana, as indemnizações desapareceram do vocabulário político. Os Estados Unidos intervieram militarmente em dezenas de países - do Vietname ao Iraque, do Kosovo à Líbia - deixando atrás de si cidades destruídas, economias arrasadas e milhões de mortos. Nenhum pagamento, nenhum tribunal, nenhum plano de reconstrução financiado pelos responsáveis. As suas guerras passaram a chamar-se “operações de segurança”, “intervenções humanitárias” ou “campanhas pela democracia”. Mudou a linguagem, mas não o resultado: países devastados e abandonados ao caos, sem compensação nem reparação.

O mesmo padrão repete-se agora em conflitos mais recentes. Israel, com o apoio tácito do Ocidente, destrói Gaza sob o pretexto da legítima defesa, mas a escala da devastação ultrapassa qualquer noção de proporcionalidade. Milhares de mortos civis, cidades inteiras transformadas em ruínas - e ainda assim, nenhum debate internacional sério sobre reparações. Pelo contrário, as vítimas são tratadas como culpadas da sua própria tragédia.

E no leste europeu, o conflito na Ucrânia abre um novo dilema. O Ocidente já discute como forçar a Rússia a pagar indemnizações pelos danos da guerra, recorrendo inclusive a ativos russos congelados. Mas a questão é simples: e se a Rússia vencer ou mantiver as suas posições? Quem obrigará uma potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança a pagar o preço da guerra? A resposta é previsível: ninguém.

A verdade é que as indemnizações de guerra nunca foram um instrumento de justiça, mas uma ferramenta de poder. Pagam os derrotados; absolvem-se os vencedores.

O direito internacional, tão eloquente nos princípios, continua mudo diante da força. Enquanto o equilíbrio global pender para um lado, a contabilidade moral das guerras continuará desequilibrada. As bombas terão sempre o recibo perdido.

Autor: João Gomes in Facebook

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