A União Europeia prometeu apoiar a Ucrânia “o tempo que for preciso”. Esqueceu-se apenas de esclarecer um detalhe menor: em que mês.
Porque, vistas as coisas com menos épica e mais contabilidade, a pergunta que hoje se coloca em Kiev não é estratégica, nem ideológica, nem sequer militar. É brutalmente simples e pouco heroica: há dinheiro até fevereiro ou não?
A Ucrânia não vive de discursos. Vive de folhas de pagamento. Um Estado em guerra não colapsa quando perde território - colapsa quando deixa de pagar salários. Professores, médicos, funcionários, soldados. A guerra pode ser patriótica, mas a renda vence sempre no fim do mês.
A UE, por seu lado, responde com serenidade institucional. Há um empréstimo de 90 mil milhões de euros, dizem-nos. Está garantido. Está decidido. Está… em processo. Falta apenas aprovar, estruturar, emitir, calendarizar, desembolsar. Um detalhe técnico. Um pormenor de meses. O tipo de coisa que Bruxelas considera aceitável - e que um país em guerra considera letal.
Janeiro e fevereiro não são meses administrativos. São meses biológicos. São o tempo mínimo que um Estado aguenta antes de entrar em modo de sobrevivência desordenada. A partir daí, não há “revolta” com bandeiras e slogans - há erosão silenciosa: soldados que perdem disciplina, funcionários que desistem, corrupção de necessidade, mercado negro de sobrevivência. O colapso moderno não se anuncia; instala-se.
E enquanto Kiev faz contas de semanas, a Europa faz atas. Tem receio de usar ativos russos congelados - não vá a estabilidade jurídica sofrer um abalo. Prefere endividar-se lentamente, com toda a prudência. Afinal, mais vale proteger o edifício legal europeu do que arriscar salvar um Estado antes do prazo regulamentar.
A ironia é quase cruel: a Ucrânia diz combater para defender a Europa, e a Europa responde defendendo-se… do risco de ajudar depressa demais. Se o dinheiro chegar em janeiro, haverá alívio.
Se chegar em fevereiro, haverá sobrevivência. Se chegar depois, haverá explicações - muitas - mas talvez já não haja Estado funcional para as ouvir.
E será então que a UE descobrirá, com ar grave e voz institucional, que perdeu tempo a decidir como salvar a Ucrânia… enquanto o tempo decidia por ela. “Dinheiro até fevereiro ou a falência?” não é um slogan alarmista. É um ultimato do calendário. E o calendário, ao contrário dos conselhos europeus, não admite adiamentos.
A guerra continua. As promessas também. Mas o saldo bancário não vive de valores - vive de transferências.
Autor: João Gomes in Facebook