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Ricardo Mohrez Muvdi: Qual é o segredo por trás da avalanche de reconhecimentos do Estado da Palestina?
Amyra El Khalili, especial para Pravda.Ru, entrevista Ricardo Mohrez Muvdi, presidente da União Palestina da América Latina (UPAL).
Publicado em 06/09/2025 11:30
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Ricardo Mohrez Muvdi é palestino, nascido em Beir-Jala, Palestina (1952). Refugiado na Colômbia, é administrador de empresas e presidente da União Palestina da América Latina (UPAL), criada em 2019 na cidade de San Salvador, El Salvador, América Central.
A UPAL é uma organização regional fundada por associações e entidades latino-americanas para fortalecer a unidade das comunidades palestinas na América Latina e apoiar a causa palestina em todos os seus aspectos.


A organização promove a solidariedade entre os povos, fomenta atividades culturais, políticas e humanitárias e trabalha para defender os direitos do povo palestino. Com presença ativa em vários países, a sua missão é consolidar uma voz latino-americana forte e unida na luta pela justiça, paz e liberdade para a Palestina.


No mês passado, porém, uma onda de países — Espanha, Noruega, Irlanda, Eslovénia, entre outros — anunciou com grande alarde o reconhecimento do Estado da Palestina. Para alguns, isso representa um marco histórico; para outros, uma vitória moral após décadas de ocupação e sofrimento. Mas por trás desses gestos diplomáticos existe uma estratégia muito mais complexa. Para entender melhor quais são esses interesses ocultos, conversamos com Ricardo Mohrez Muvdi nesta entrevista exclusiva para o Pravda.Ru.

 

Aqui está a entrevista:


PRAVDA.RU – A pergunta é inevitável: quais são os verdadeiros interesses por trás dessa repentina avalanche de reconhecimentos? Um Estado palestino... ou uma saída para o Ocidente?


Ricardo Mohrez Muvdi – Em primeiro lugar, devemos entender que esses reconhecimentos não surgem do nada. Eles ocorrem em meio a uma guerra genocida contra Gaza, na qual Israel fracassou na sua tentativa de eliminar a resistência palestina, particularmente o Hamas. Nem com bombas, nem com fome, nem com deslocamentos forçados conseguiu subjugar um povo que resiste com dignidade.


Perante este fracasso, o Ocidente — especialmente os Estados Unidos e a Europa — procura um «Plano B». Já não pode sustentar a narrativa de que Israel está a «defender-se». Precisa de oferecer uma alternativa que mantenha o controlo político, neutralize a resistência e acalme a pressão social interna. É aí que entra o reconhecimento do «Estado palestiniano».

Mas há um senão: o Estado reconhecido não tem fronteiras, nem exército, nem soberania sobre o seu território. Não controla o seu espaço aéreo nem os seus mares. Não pode garantir a segurança dos seus cidadãos nem possui unidade política. É, na essência, um fantasma administrativo sob ocupação. E isso não é um Estado real.

 

PRAVDA.RU – Será esta uma transformação para a Europa? Será que estes reconhecimentos também servem para limpar a consciência da Europa?

Ricardo Mohrez Muvdi – Após meses de cumplicidade no genocídio – seja através do silêncio, do apoio militar ou de sanções dirigidas contra a resistência –, agora tentam equilibrar a balança com um gesto simbólico. Falam de «dois Estados» como se ainda fosse uma opção viável, quando, na realidade, Israel fragmentou e colonizou tanto o território que tal fórmula se tornou impraticável.


Um «Estado palestiniano» é reconhecido, mas Israel não é sancionado, a venda de armas não é interrompida e a expansão dos colonatos não é travada. Em outras palavras, uma solução diplomática é legitimada sem alterar as condições materiais da ocupação.

PRAVDA.RU – E se o objetivo real for substituir a resistência?

Ricardo Mohrez Muvdi – Outro elemento preocupante é quem está a ser reconhecido. A maioria destes países continua a considerar a Autoridade Palestiniana como o «governo legítimo» do povo palestiniano, apesar da sua falta de representatividade, corrupção interna e colaboração com a ocupação.


Estamos a assistir a uma tentativa de reorganizar a liderança palestiniana a partir do exterior, excluindo movimentos de resistência como o Hamas ou a Jihad Islâmica.

 

PRAVDA.RU – Então, o objetivo seria criar um Estado artificial e obediente que administrasse a ocupação sem questioná-la?


Ricardo Mohrez Muvdi – Se for esse o caso, a avalanche de reconhecimentos seria menos uma demonstração de solidariedade e mais uma manobra geopolítica para neutralizar a luta do povo palestino.

PRAVDA.RU – Será esta a armadilha do Estado fictício?

Ricardo Mohrez Muvdi – Existe um enorme risco de que o mundo comece a falar da Palestina como um «Estado reconhecido» quando, na prática, continua a ser uma nação ocupada, colonizada e bloqueada. Esta ficção jurídica pode ser utilizada para congelar o conflito, neutralizar as queixas internacionais e culpar as próprias vítimas pela sua situação.


Nesse cenário, a causa palestiniana deixaria de ser uma luta anticolonial legítima e seria reduzida a uma disputa burocrática entre «dois governos». A história é apagada, o apartheid é invisibilizado e as vozes dos mártires são silenciadas.

 

PRAVDA.RU – Quais seriam as consequências dessas ações meramente diplomáticas?


Ricardo Mohrez Muvdi – A avalanche de reconhecimentos não é gratuita, nem desinteressada, nem revolucionária. Faz parte de um realinhamento político global diante da erosão moral do Ocidente e da ascensão da resistência palestiniana. Pode ser diplomaticamente útil, sim, mas não devemos nos iludir: a verdadeira libertação não virá dos ministérios das Relações Exteriores, mas da determinação do povo palestino – em Gaza, na Cisjordânia, no exílio e na diáspora.


PRAVDA.RU – E qual é a sua conclusão?


Ricardo Mohrez Muvdi – Enquanto o regime de ocupação sionista não for desmantelado, nenhum reconhecimento será completo. E enquanto o sangue continuar a correr em Gaza, nenhum gesto simbólico será suficiente.



Edição de texto: Alexandre Rocha


Amyra El Khalili é professora palestino-brasileira, economista e editora das redes Movimento das Mulheres pela Paz na Palestina e RECOs Alliance – Aliança das Redes de Cooperação Comunitária do Sul Global.

 

 

 

Imagem IA: https://chatgpt.com/c/68bb355b-0498-832d-9be0-d0e8c9123554

 

Fonte: https://english.pravda.ru/opinion/163990-state_palestina/

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