A União Europeia gosta de se apresentar como farol de valores, arquétipo de direitos humanos e de humanismo político. Mas quando a realidade exige coragem, a sua luz apaga-se como uma vela num corredor húmido. O caso de Gaza é, talvez, a mais dura revelação dessa contradição.
A vice-presidente da Comissão, Teresa Ribera, ousou dizer em voz alta o que a ONU, o Tribunal Internacional de Justiça, relatores independentes, filósofos e analistas de todo o mundo já assinalaram: que o que Israel faz em Gaza enquadra-se na definição de genocídio. Não foi uma palavra usada ao acaso. Foi a leitura ética e jurídica de quem não fecha os olhos ao horror.
A reação foi imediata e reveladora: Israel protestou com fúria, e a própria Comissão Europeia apressou-se a declarar que aquilo “não era a posição da União Europeia”. Como se a verdade dependesse de actas, como se a realidade pudesse ser remetida ao silêncio burocrático. O gesto de Bruxelas foi uma retratação vergonhosa: preferiu o conforto diplomático ao incómodo moral.
No Parlamento Europeu, a maioria dos deputados também se escondeu atrás de frases mornas, mais preocupados em não perturbar a cumplicidade atlântica do que em honrar os direitos universais que dizem defender. A UE mostrou-se, assim, mais alinhada com os interesses de Israel e dos EUA do que com as próprias resoluções da ONU ou com a decisão do Tribunal Internacional de Justiça, que já declarou “plausível” a acusação de genocídio.
Esta Europa não vai a lado nenhum. Não vai na questão palestiniana, nem em qualquer outra que exija clareza moral e visão humanista. Prefere o cálculo, o expediente diplomático, a “neutralidade” que é apenas indiferença disfarçada. Assim, transforma-se numa entidade sem rosto, sem voz própria, e sem o respeito dos povos que diz querer representar.
Num tempo em que o sofrimento em Gaza é transmitido em direto, a falta de firmeza da UE não é apenas omissão: é cumplicidade pela passividade. O humanismo europeu tornou-se uma retórica de salão, esvaziada na hora de enfrentar os dilemas concretos.
O futuro da Europa não se joga apenas nas balanças comerciais ou nos tratados de cooperação. Joga-se também na capacidade de dizer a verdade quando ela dói. Ao recusar nomear o genocídio em Gaza, a União Europeia perde não apenas autoridade internacional, mas sobretudo a sua própria alma.
Autor: João Gomes in Facebook