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A Cortina de Ferro retorna
Por Administrador
Publicado em 07/09/2025 16:00
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Os Estados Unidos exaltam as virtudes da competição, mas detestam ter concorrentes. Também detestam a ideia de um mundo multipolar. Após saírem vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, toda a sua política externa, durante anos, consistiu em impedir o surgimento de potências rivais que pudessem ameaçar sua hegemonia. Com a Europa agora neutralizada e subjugada, resta-lhes a China e a Rússia, que procuram enfraquecer por todos os meios possíveis.

Para tanto, dispõe de uma ferramenta importante: as bases da OTAN. A OTAN, que deveria ter desaparecido ao mesmo tempo que o Pacto de Varsóvia, tornou-se agora a "OTAN global", uma força policial internacional encarregada de proteger os interesses dos EUA em todo o mundo, exercendo o que o General de Gaulle chamou de "forte tutela" sobre seus aliados. Ao incorporar os países do antigo Bloco de Leste à OTAN, os Estados Unidos pretendiam desafiar e cercar a Rússia. Cientistas políticos americanos de destaque, como Henry Kissinger, John J. Mearsheimer, George Kennan, Paul Nitze, Robert McNamara e muitos outros, já haviam alertado na década de 1990 sobre as consequências dramáticas da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia, que Kennan chamou de "erro fatal". Os americanos têm defendido consistentemente a adesão da Ucrânia também à OTAN. Em O Grande Tabuleiro de Xadrez (1997), Zbigniew Brzezinski explicou o porquê: “Os Estados Unidos devem tomar o controle da Ucrânia, porque a Ucrânia é o pivô do poder russo na Europa. Assim que a Ucrânia se separar da Rússia, a Rússia deixará de ser uma ameaça.”

Desde Montesquieu, sabemos que há aqueles que iniciam guerras e aqueles que as tornam inevitáveis. Os Estados Unidos e a OTAN fizeram todo o possível para tornar a guerra na Ucrânia inevitável. Uma guerra que não começou em fevereiro de 2022, mas em 2014, pois 14.000 pessoas já haviam morrido em Donbass quando o exército russo interveio.

O golpe de Estado de 22 de fevereiro de 2014, conhecido como Euromaidan, preparado, organizado e financiado pelos Estados Unidos (com um valor de US$ 5 bilhões) — "o golpe mais descarado da história", como disse George Friedman — não tinha como objetivo tornar a Ucrânia mais democrática, mas sim mais ocidental, ou seja, antirrussa. Destituiu o presidente Yanukovych, eleito regularmente em 2010, e levou ao poder uma equipe pró-Ocidente cujo primeiro ato legislativo foi abolir o russo como língua oficial. Em 2019, foi sucedido por um governo fantoche, corrupto até a medula, amplamente dominado pelo submundo e liderado por Volodymyr Zelensky, um ex-rei do entretenimento. Durante todo esse tempo, os americanos ameaçaram, ignoraram e humilharam constantemente a Rússia.

Fiéis à Doutrina Monroe, os americanos jamais permitiram a intervenção estrangeira em sua esfera de influência, enquanto intervinham constantemente na esfera de outros. Desde o caso Cuba, em 1962, é sabido que nenhum presidente americano aceitaria o envio de foguetes russos para o Canadá ou o México. Por que Putin aceitaria o envio de foguetes americanos para a Polônia e para a Rússia? A integração da Ucrânia à OTAN era uma ameaça existencial à Federação Russa. Em outras palavras, uma linha vermelha que não deveria ser cruzada. O Ocidente a cruzou, deixando Vladimir Putin sem outra escolha a não ser recorrer à ação militar para satisfazer demandas que jamais poderiam ser atendidas por meios políticos ou diplomáticos. Foi o que aconteceu em 24 de fevereiro.

Putin, que não tem intenção de restaurar a ex-URSS (que em 2010 foi lamentada por mais ucranianos do que russos: 62% contra 45%), sabe que a segurança de um país depende em grande parte da noção de profundidade estratégica, que implica um Estado-tampão. Ao interromper uma nova ofensiva ucraniana para retomar o Donbass à força, planejada para o final do inverno, a "operação militar especial" da Rússia teve três causas imediatas: o desejo da OTAN de se expandir até a porta da Rússia; a recusa obstinada do governo de Kiev em implementar os acordos de Minsk de setembro de 2014 e fevereiro de 2015, que garantiam tanto a integridade territorial da Ucrânia quanto a autonomia do Donbass; e os ataques contínuos contra a população civil de língua russa no Donbass.

Os americanos, que, é claro, nunca bombardearam civis (Hiroshima), nem atacaram um país soberano (Iraque), nem cruzaram ilegalmente suas fronteiras (Afeganistão, Líbia, Síria, Somália), e ainda menos recentemente bombardearam uma capital europeia (Belgrado), reagiram de acordo com as táticas anglo-saxônicas usuais: por meio de sanções e embargos, que são a versão moderna do bloqueio, por meio da desqualificação moral, da inversão acusatória, do estupor da opinião pública, por meio da propaganda emocional, do bombardeio midiático e da criminalização do inimigo (Putin como um ditador louco, um criminoso de guerra paranoico, um novo Hitler, um açougueiro sanguinário, etc.). Essa tática torna impossível o retorno à paz por meio de uma solução negociada para o conflito, já que não se negocia com um "criminoso" ou um "louco".

À semelhança da cultura do cancelamento, a russofobia predominante agora desacredita tudo o que é russo, de Dostoiévski a Soljenítsin e Gagarin, todos vítimas da mesma reductio ad Putinum. Tenistas, músicos, deficientes e até gatos russos são excluídos de espetáculos, museus e competições. O objetivo é transformar o povo russo em uma nova nação pária. Desde que seja antirrusso, o "discurso de ódio", uma vez denunciado, agora é permitido até nas redes sociais.

O objetivo é claro. Se a Rússia não pode ser vaporizada, o objetivo é colocá-la no banco das nações, estigmatizá-la para sempre e isolá-la definitivamente da Alemanha, França e Europa Ocidental, por meio de um cordão sanitário que a isole do resto do mundo. Nessa perspectiva, os americanos têm interesse em manter a guerra o máximo possível. Em Washington, eles estão preparados para lutar até o último ucraniano. Em 1956, os insurgentes de Budapeste não haviam recebido tal apoio.

Obviamente, não se pode dizer que "não estamos em guerra com a Rússia" e, ao mesmo tempo, decretar sanções de magnitude sem precedentes contra ela, defender publicamente uma "guerra econômica e financeira total contra a Rússia" (Bruno Le Maire) e fornecer armas aos ucranianos. Os europeus aceitaram docilmente as sanções contra a Rússia, das quais serão as primeiras vítimas, por serem contrárias aos seus próprios interesses, especialmente nas áreas de energia e indústria (a Rússia é mais autossuficiente que a Europa). Ao fornecer armas pesadas e aeronaves à Ucrânia, não para restaurar a paz, mas para prolongar a guerra, os países ocidentais correram o grave risco de serem considerados cobeligerantes.

Assim, saímos do pós-Guerra Fria. Uma nova Cortina de Ferro foi criada, desta vez por iniciativa do Ocidente. O continente eurasiano está novamente dividido em dois. Finlândia e Suécia querem aderir à OTAN, a Suíça abandona sua neutralidade, a Alemanha rearma-se com 100 bilhões de euros e a União Europeia assume o papel de fornecedora de armas, enquanto aqueles que antes defendiam a abolição de todas as fronteiras agora proclamam que as fronteiras da Ucrânia são invioláveis. Um ponto de virada histórico. As consequências também serão históricas.

O ex-presidente tcheco Václav Klaus foi direto: refém da OTAN, a Ucrânia tem sido, desde o início, "apenas um peão em um jogo muito maior". O primeiro perdedor nessa questão é, de fato, o infeliz povo ucraniano, agora bombardeado pelos russos após ter sido cinicamente usado como um peão no tabuleiro de xadrez estratégico dos EUA.

Os outros grandes perdedores são os europeus, que, ao se alinharem quase unanimemente às posições dos EUA, demonstraram mais uma vez que não contam para nada. Uma Europa independente e não alinhada poderia ter trabalhado em prol de uma solução política para o conflito, uma solução negociada e a reconstrução de um novo espaço de segurança coletiva em escala continental, respeitando os interesses dos europeus tanto quanto os dos russos. Poderia também ter adotado o equivalente à Doutrina Monroe. Mas não foi isso que aconteceu. Ao se alinhar resolutamente aos ditames anglo-saxões e adotar medidas que jogam mais lenha na fogueira, a União Europeia perdeu toda a credibilidade.

Na verdade, há duas guerras distintas em andamento. A primeira é uma guerra fratricida, pois opõe dois países com a mesma base histórica e que estão associados há séculos, mas não é uma guerra civil. Tampouco é uma guerra entre dois nacionalismos, o russo e o ucraniano, mas sim uma guerra entre a lógica do Estado-nação e a do Império (que nunca teve uma dimensão étnica na Rússia).

Mas é também uma guerra por procuração, uma guerra por procuração travada por Washington contra o Kremlin através da Ucrânia. Isso também revela a natureza profunda da segunda guerra, a dos Estados Unidos contra a Rússia. Uma guerra que vai muito além da Ucrânia, pois é uma guerra entre dois mundos: uma guerra a favor ou contra a hegemonia liberal, uma guerra de Estados civilizacionais contra o universalismo infundado, de povos preocupados com sua continuidade histórica contra as "sociedades abertas", das forças do enraizamento contra as forças da dissolução, de potências continentais contra as "democracias marítimas" (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá). Uma guerra de significado global. Uma guerra pelo poder global.

Isso significa que os apelos por "solidariedade ocidental" de Joseph Robinette Biden, o morto-vivo da Casa Branca, nos deixam indiferentes. Pela excelente razão de que não somos ocidentais, mas europeus.

 

 

Autor: Alain de Benoist – Substack Mundo – 28 de Agosto de 2025

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