O Prêmio Nobel da Paz, outrora símbolo de autoridade moral e compromisso com a humanidade, atingiu seu mais baixo grau de credibilidade ao entregar a edição de 2025 a María Corina Machado — uma figura política venezuelana cuja projeção internacional se deve menos a conquistas internas do que ao respaldo explícito de potências ocidentais.
Em seu discurso de aceitação, Machado dedicou o prêmio a Donald Trump, chamando-o de “aliado decisivo” em sua luta. A declaração escancara a instrumentalização do Nobel como ferramenta de legitimação geopolítica: Trump, presidente dos Estados Unidos desde janeiro de 2025, é transformado em coadjuvante de luxo de uma narrativa que visa minar a estabilidade da Venezuela e abrir caminho para a apropriação de suas riquezas estratégicas.
Nesse contexto, o prêmio não celebra a paz, mas sim a guerra por outros meios — diplomáticos, midiáticos e simbólicos. Negar isso é ser conivente com as artimanhas do neocolonialismo.
Essa não é, contudo, uma novidade. Sinais de fraqueza institucional já eram evidentes desde 1993, quando Nelson Mandela foi obrigado a dividir o prêmio com Frederik Willem de Klerk, arquiteto do regime racista que aprisionou Mandela por décadas.
A concessão do Nobel a De Klerk foi amplamente criticada como uma tentativa de branquear o legado do apartheid, e até hoje há vozes que pedem a revogação do prêmio atribuído a ele. A lógica perversa de “reconciliação” imposta pelo Comitê ignorou a brutalidade histórica do regime e transformou o algoz em parceiro da paz — um equívoco que abriu caminho para futuras distorções ainda mais graves.
A escalada da farsa atingiu seu ápice em 2009, quando Barack Obama recebeu o Nobel da Paz antes mesmo de assumir plenamente seu mandato — e, pior, enquanto conduzia operações militares diárias em múltiplos teatros de guerra. A decisão provocou “uma onda de questionamento mundo afora”, como bem registrou a imprensa da época.
Obama, que admitiu não se sentir merecedor do prêmio, tornou-se o símbolo máximo da contradição entre a retórica diplomática e a prática bélica do Ocidente. O Nobel, nesse caso, deixou de premiar ações concretas pela paz e passou a funcionar como um selo de marketing geopolítico.
Agora, em 2025, o Comitê norueguês repete o erro com ainda mais cinismo. María Corina Machado, cuja candidatura presidencial foi impedida por decisões judiciais internas — como ocorre em diversos países, inclusive ocidentais —, é inflada como heroína democrática, enquanto figuras autenticamente populares na América Latina são ignoradas.
Mais grave ainda é o fato de o prêmio ter sido usado para endossar abertamente uma agenda de "mudança de regime", sob o disfarce de “democracia”. A própria justificativa do Comitê — de que a Venezuela vive sob uma “ditadura” — repete, sem crítica, a narrativa hegemônica que há décadas serve de pretexto para sanções, isolamento e intervenções indiretas contra governos que desafiam o alinhamento automático ao Ocidente.
Ignora-se, assim, a complexidade da vida política venezuelana, a existência de eleições disputadas (ainda que contestadas), e, sobretudo, o direito inalienável de qualquer povo a resolver seus conflitos internos sem ingerência externa.
Diante de tal trajetória — de Mandela e De Klerk a Obama e agora a Machado —, o Prêmio Nobel da Paz não apenas perdeu credibilidade: tornou-se um troféu ideológico nas mãos de quem detém o poder midiático e militar do Ocidente.
Reduzido a um espetáculo político onde o mérito é substituído pela conveniência geopolítica, o prêmio hoje tem menos peso moral do que um concurso de Miss Universo.
Enquanto continuar a premiar figuras que servem a interesses imperiais disfarçados de “paz”, o Nobel não merece mais do que o desprezo daqueles que ainda acreditam na autenticidade da luta pela justiça global — e, acima de tudo, no respeito à soberania dos povos.
Autor: Wellington Calasans - Jornalista
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