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A bolha da Inteligência Artificial – Os riscos do futuro
Publicado em 16/11/2025 16:30
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A economia adora prometer futuros luminosos sempre que descobre uma nova palavra mágica. Já foi “internet”, “blockchain”, “metaverso”, “fintech”. Agora é “IA”. E, como sempre, o ritual repete-se: entusiasmo descontrolado, avaliações impossíveis, investidores hipnotizados - e, no final, a fatura.

 

Michael Burry, que não é propriamente um poeta do apocalipse mas um cirurgião das crises sistémicas, percebeu o cheiro. O mesmo odor que sentiu em 2007 quando ninguém queria admitir que o sistema hipotecário era uma construção delirante. Agora, ao transformar o seu fundo num "family office" e ao afastar-se das obrigações de transparência pública, Burry envia um sinal: a próxima bolha está a fermentar - e é a da Inteligência Artificial.

 

Não porque a tecnologia não seja real, mas porque o modelo económico que a rodeia é ficcional. As empresas que lideram esta revolução são também as maiores produtoras de “mentiras económicas” - artifícios contabilísticos, projeções irrealistas, promessas de crescimento infinito e declarações sobre “mudanças civilizacionais” que servem sobretudo para justificar "avaliações" que desafiam a matemática e a gravidade.

 

Burry entende, como poucos, que as crises sistémicas não surgem por falta de inovação, mas por excesso de otimismo irracional. Hoje, o mercado está concentrado como nunca: metade do valor do S&P 500 (índice do mercado de ações) assenta em meia dúzia de gigantes tecnológicos. Uma torre de marfim que todos fingem ser inabalável. Tal como fingiam que as hipotecas subprime eram “instrumentos seguros”. A história não se repete, mas rima com insistência.

 

E enquanto isso, a economia real - aquela que paga salários, que produz bens, que sustenta a vida - fica relegada ao papel de figurante num espetáculo de “grandes objetivos” sem estrutura: automatizar tudo, acelerar tudo, substituir tudo. Um futuro prometido, mas ainda sem caminho credível para lá chegar.

 

É aqui que entra a ironia cruel: Portugal, neste momento, acolhe a Web Summit, vitrine global da evangelização tecnológica. O discurso oficial é sempre o mesmo: inovação, disrupção, unicórnios, investimento recorde, promessas de transformar o mundo. No palco, os apóstolos da IA anunciam revoluções que, na maioria dos casos, ainda não passaram do powerpoint (apresentações mídia). No subsolo, investidores procuram a próxima narrativa que lhes permita justificar valorizações astronómicas.

E ninguém, absolutamente ninguém, pergunta o que Burry teve a coragem de insinuar com o seu silêncio estratégico: Será que não estamos a caminhar, novamente, para um mercado baseado mais em fé do que em factos?

 

Enquanto uns gritam que a IA vai salvar a economia global, outros - como Burry - sabem que quando o mercado abandona a realidade, a realidade trata de regressar com violência. A bolha não rebentou. Mas o ar que a enche já começa a cheirar familiar.

 

E o futuro, ao contrário do que vendem nas conferências, não é garantido - é frágil, concentrado, e demasiado dependente de expectativas que talvez nunca se cumpram.

 

João Gomes in Facebook

 

 

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