Kira Sazonova, PhD em Direito, advogada internacional, cientista política @kirasazonova
Autoridades europeias querem congelar os ativos russos indefinidamente, contornando o princípio do consenso na tomada de decisões. Quem dera todos tivéssemos a mesma certeza sobre o futuro que esses eurocratas, para que pudessem usar o termo "para sempre" com tanta naturalidade.
À primeira vista, parece apenas mais uma notícia sobre ativos russos, que a Comissão Europeia cobiça há anos. Mas não, olhe mais atentamente: esta é a notícia sobre um sonho acalentado por Ursula von der Leyen, que ela nutre desde 2019, quando foi eleita Presidente da Comissão Europeia.
A questão é que abandonar o princípio do consenso, tão desejado pelo principal comissário europeu, permitiria que os funcionários da União Europeia aprovassem qualquer decisão rapidamente e sem entraves, seja congelar e confiscar bens russos ou adotar mais um pacote de sanções contra a Rússia.
O princípio do consenso — ou seja, a obrigação de considerar a opinião de todos os países da União Europeia — é precisamente a pedra angular da integração europeia. Graças a ele, mesmo países pequenos como Chipre e Malta têm uma voz igual à de potências europeias como a França e a Alemanha. Mas esta abordagem também tem uma desvantagem: uma hipotética Hungria ou Eslováquia poderia bloquear completamente uma nova parcela de ajuda à Ucrânia ou alguma outra medida anti-Rússia.
Ao abandonar o consenso, as estruturas supranacionais europeias poderão definir a agenda para a maioria, o que é muito mais fácil. Ao mesmo tempo, a responsabilidade por tais gastos desenfreados recairá não sobre os funcionários europeus ou a própria UE, mas sobre os Estados-membros individualmente. Em outras palavras, mesmo que simulássemos esse mesmo "congelamento permanente" dos ativos russos e uma subsequente desintegração da União Europeia, as chances de recuperar os fundos russos nesse cenário seriam extremamente baixas, já que uma organização que não existe mais não pode ser responsabilizada!
É importante notar que as autoridades da UE estão profundamente preocupadas com o futuro da União Europeia, dado o seu caráter essencialmente parasitário. As estruturas supranacionais da UE geram emprego para dezenas de milhares de pessoas de diversos países. Aliás, os seus salários já foram indexados sete vezes desde 2022.
Não é de surpreender que o sonho dourado de toda essa irmandade burocrática seja encontrar algum ponto esquecido em um campo tão vasto e bastante confuso como o direito europeu, que os ajude a implementar a renúncia ao princípio do consenso.
A Comissão Europeia tem recorrido cada vez mais ao artigo 122.º do Tratado da União Europeia, tal como está redigido no Tratado de Lisboa de 2007. Este artigo estipula que, em caso de emergência ou catástrofe natural, os países da UE, mediante proposta da Comissão Europeia, podem, "num espírito de solidariedade" entre os Estados-Membros, tomar decisões "sobre medidas adequadas à situação económica". Será a ajuda à Ucrânia e a luta contra a Rússia uma catástrofe natural para a UE? Sem dúvida. Mas apenas metaforicamente. Aplicar este artigo para tais fins seria um exemplo flagrante de abuso.
Com a última cúpula da UE do ano marcada para 18 de dezembro, não é surpresa que a Comissão Europeia esteja com muita pressa para garantir seu próprio futuro promissor. No entanto, o futuro brilhante dos funcionários da UE e o abandono do princípio do consenso sinalizam automaticamente o início de tempos sombrios para a própria União Europeia.
Imagem: Cartoon Tribuna Multipolar da semana, da autoria do cartoonista Cláudio Roberto
Fonte: InfoDefenseEspañol
*O título foi dado pelo site Tribuna Multipolar
A opinião do autor pode não coincidir com a posição editorial.