Offline
MENU
Dilatar o tempo para não resolver o conflito
Publicado em 12/12/2025 09:30
Novidades

Há líderes que procuram a paz. Outros procuram a vitória. Zelensky, neste momento, parece procurar outra coisa: tempo. Tempo para respirar, tempo para empurrar decisões incómodas para o futuro, tempo para os aliados se convencerem de que ainda vale a pena investir na Ucrânia, e tempo para a guerra não lhe rebentar politicamente nas mãos. A sua mais recente invenção para ganhar esse precioso recurso chama-se “referendo sobre a cedência de território”. Uma espécie de suspensão do conflito por via de consulta popular, como se o destino de cidades ocupadas pudesse caber numa urna instalada a centenas de quilómetros de distância da frente, onde militares e civis morrem.

 

A proposta, embrulhada em retórica democrática, tem o perfume inconfundível de um truque político: se o resultado for “não”, Zelensky pode levantar os braços e dizer que não pode ceder nada porque o povo não deixa; se por milagre for “sim”, terá o argumento de que respeita a vontade nacional. Nada mal para um líder que tenta fugir ao dilema insuportável de admitir que já perdeu, de facto, parte do território que "oficialmente" continua a reivindicar.

 

O problema é que esta jogada, engenhosa no papel, é também uma armadilha. Com o pormenor de que Zelensky cavou o buraco e está agora a caminhar em direção a ele com um sorriso forçado.

 

Um irritante detalhe chamado Trump

 

Trump não é fã de longas esperas, processos democráticos densos ou subtilezas geopolíticas. Ele gosta de decisões rápidas, preferencialmente anunciadas num palco com bandeiras e aplausos. Perante a notícia de que Zelensky pretende chamar o povo às urnas antes de decidir qualquer coisa sobre o mapa da Ucrânia, Trump deve ter sentido o que um cozinheiro sente quando alguém lhe diz que o jantar vai ser servido, mas só depois de a avó acabar de rezar um rosário de três horas.

 

Na lógica "trumpiana", esta consulta popular parece apenas mais uma manobra para atrasar o que ele quer fazer desde o primeiro dia: fechar o conflito à força, reconhecer algumas realidades no terreno e anunciar ao mundo que “acabou a guerra porque eu quis”. A ideia de que um país dependente de ajuda americana lhe vai impor o ritmo é algo que Trump não engole nem com litros de Coca-Cola Light.

 

Trump olha para os aliados europeus como figurantes de opereta política: muito moralismo, pouca tropa, ainda menos orçamento. Ver Zelensky a agarrar-se aos ombros destes “falsos dirigentes” para escapar à pressão americana deve deixá-lo furioso. E quando Trump fica furioso, geralmente há consequências. A sua “faca afiada” costuma tomar a forma de cortes abruptos de financiamento, negociações diretas com adversários ou humilhações públicas em discursos incendiários. Tudo seria possível, inclusive as três coisas no mesmo dia.

 

O truque pode virar-se contra o ilusionista

 

Zelensky quer ganhar tempo, mas pode estar a comprar uma contagem regressiva. Ao convocar um referendo cujo resultado já conhece, tenta transformar a vontade popular em escudo político. O risco é que o escudo se torne boomerang. Se Trump decidir endurecer a posição, o referendo não servirá para proteger Zelensky, mas para o isolar. Um líder que depende dos EUA para se defender não deve esticar demasiado a corda diplomática, porque tende a descobrir que ela parte no lado mais fraco.

 

E depois há a realidade militar, essa criatura teimosa que não respeita votações. Um “não” nas urnas não fará tanques russos recuar, não abrirá corredores de abastecimento e não ressuscitará brigadas exaustas. A democracia não opera milagres geográficos.

 

Os cenários possíveis

 

Trump corta a paciência e parte para a ação.

Menos dinheiro, menos armas, mais pressão pública. Zelensky fica encostado à parede e obrigado a negociar diretamente com Moscovo. A Europa protesta, mas sem meios militares, é protesto para consumo próprio.

 

O conflito congela oficialmente.

 

Sem consenso político nem músculo militar, a guerra transforma-se num conflito de baixa intensidade, com fronteiras indefinidas e diplomacia intermitente. Na prática, a Ucrânia perde território sem nunca o admitir.

 

Zelensky dobra a aposta.

 

Insiste no referendo, dramatiza, denuncia ingerência americana, tenta transformar a Europa na nova base de apoio. O problema é que a Europa adora falar, mas foge de compromissos pesados. O apoio europeu pode não chegar para sustentar uma guerra prolongada.

 

Trump negocia sem Kiev.

 

Possivelmente o cenário mais humilhante para Zelensky: os EUA e a Rússia fecham um acordo de enquadramento e apenas depois comunicam aos ucranianos como será o futuro.

 

Epílogo: a política como arte de adiar o inevitável

 

Zelensky, com esta proposta, tenta o mais antigo truque da política: ganhar tempo para não resolver o que não quer enfrentar. Mas o tempo, como sempre, vem com juros. E neste caso, os juros podem ser cobrados por um presidente norte-americano que tem pouca tolerância para fintas diplomáticas e menos ainda para aliados que fazem de conta que têm alternativas.

 

Ou seja, Zelensky tenta controlar o relógio, mas arrisca-se a que Trump o parta em cima da mesa. A cronologia do conflito pode deixar de ser determinada por Kiev e passar rapidamente para as mãos de quem tem o dinheiro, as armas e a vontade de encerrar o capítulo - mesmo que o protagonista não goste do final escrito para ele.

 

 

 

Autor: João Gomes In Facebook



Comentários