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HIROSHIMA, OU O ANJO NEGRO DAS COISAS INVISÍVEIS
Publicado em 06/08/2025 18:23
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Hoje, é Hiroshima.

Hoje, é preciso lançar um grito contra o esquecimento para que lembrar o horror.

Este é o meu contributo, inspirado na memória poética de Herberto Hélder.

E estou profundamente inquieto!

[...]

 

HIROSHIMA, OU O ANJO NEGRO DAS COISAS INVISÍVEIS

 

um relâmpago caiu sobre o coração dos homens

um sol fabricado por bestas,

por cientistas com bata e morte no bolso

o céu abriu-se em cogumelo —

não para dar sombra,

mas para extinguir o nome das crianças

os ossos das mulheres foram escritos com fogo

e as ruas tinham a textura do grito

ninguém disse: perdão.

ninguém disse: condeno.

ninguém disse: fomos nós, os bons, os democráticos assassinos

ninguém foi julgado — porque os vencidos enterram os seus mortos

e os vencedores enterram a verdade

o presidente sorriu numa sala climatizada

e uma cidade inteira transformou-se em oração de cinza

os corpos evaporaram mais depressa que a memória

mas a memória ficou: uma criança sem olhos,

um sino rachado no centro do peito,

o relógio parado às 8h15 —

e a eternidade a correr para trás

os que desejam a guerra nuclear

têm o cérebro feito de silício e orgulho

são senhores de botões,

são crianças grandes a jogar xadrez com a extinção

há os que ainda rezam por Hiroshima

e os que desejam Nagasakis futuros

não em nome do mal, mas da ordem,

não em nome do ódio, mas da paz

essa paz que mata primeiro para não ter de morrer depois

Herberto, se pudesses, escreverias com sangue e luz

e este poema seria um espelho:

cada letra um cadáver,

cada verso um tribunal que não aconteceu

eu escrevo isto para que se saiba:

os deuses estavam ausentes

e os homens eram deuses do horror

ninguém foi condenado.

ninguém se ajoelhou no pó.

ninguém restituiu os nomes.

ninguém devolveu o corpo da mãe ao filho que chorava no escuro

mas tu que lês,

tu que tens a boca cheia de sol,

tu que ainda tens pele e sombra e nome — não esqueças.

repete comigo como um exorcismo:

HIROSHIMA.

HIROSHIMA.

HIROSHIMA.

 

 

Postado por José Santos Pinto no Facebook

 

 

 

 

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