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O grande engano contra a Venezuela: a geopolítica do petróleo disfarçada de guerra contra as drogas
Publicado em 01/09/2025 16:48
Novidades

Por Pino Arlacchi

 

O «Cartel dos Sóis» é uma criação da imaginação de Trump.


L. Castro


Durante o meu mandato à frente da UNODC, a agência da ONU contra as drogas e o crime, estive na Colômbia, Bolívia, Peru e Brasil, mas nunca visitei a Venezuela. Simplesmente não era necessário. A cooperação do governo venezuelano na luta contra o narcotráfico era uma das melhores da América do Sul, comparável apenas ao histórico impecável de Cuba. Esse fato, na narrativa delirante de Trump de que “a Venezuela é um narcoestado”, soa como uma calúnia com motivações geopolíticas.


Mas os dados — os verdadeiros — que emergem do Relatório Mundial sobre Drogas 2025, da organização que tive a honra de dirigir, contam uma história oposta à que a administração Trump divulga. Uma história que desmonta, peça por peça, a invenção geopolítica construída em torno do «Cartel dos Sóis», uma entidade tão lendária quanto o Monstro do Lago Ness, mas adequada para justificar sanções, embargos e ameaças de intervenção militar contra um país que, por acaso, assenta sobre uma das maiores reservas de petróleo do planeta.

Venezuela, segundo a ONUDD: um país marginal no mapa do narcotráfico

 

O relatório 2025 da UNODC é muito claro, o que deveria envergonhar aqueles que construíram a retórica que demoniza a Venezuela. O relatório apenas menciona superficialmente a Venezuela, afirmando que uma fração marginal da produção colombiana de drogas passa pelo país a caminho dos Estados Unidos e da Europa. A Venezuela, segundo a ONU, consolidou-se como um território livre do cultivo de folha de coca, maconha e produtos similares, bem como da presença de cartéis criminosos internacionais.

O documento simplesmente confirma os 30 relatórios anuais anteriores, que omitem o narcotráfico venezuelano porque ele não existe. Apenas 5% das drogas colombianas transitam pela Venezuela. Para colocar esse número em perspectiva: em 2018, enquanto 210 toneladas de cocaína transitavam pela Venezuela, a Colômbia produziu ou comercializou 2.370 toneladas (dez vezes mais) e a Guatemala, 1.400 toneladas.

Sim, leu bem: a Guatemala é um corredor de drogas sete vezes mais importante do que o suposto temível narcoestado bolivariano. Mas ninguém fala sobre isso porque a Guatemala historicamente tem tido escassez — produz 0,01% do total mundial — da única droga artificial que interessa a Trump: o petróleo.

O Fantástico Cartel do Sol: Ficção de Hollywood

 

O «Cartel dos Sóis» é uma criação da imaginação de Trump. Supostamente é liderado pelo presidente da Venezuela, mas não é mencionado no relatório da principal organização antidrogas do mundo, nem nos documentos de nenhuma agência europeia ou de quase nenhuma outra agência anticrime do planeta. Nem mesmo uma nota de rodapé. Um silêncio ensurdecedor, que deveria fazer refletir qualquer pessoa com um mínimo de pensamento crítico. Como é que uma organização criminosa tão poderosa a ponto de merecer uma recompensa de 50 milhões de dólares pode ser completamente ignorada por quem trabalha na área antidrogas?

Em outras palavras, o que é vendido à Netflix como um supercartel é, na verdade, uma mistura de pequenas redes locais, o tipo de crime de pouca monta que se encontra em todos os países do mundo, incluindo os Estados Unidos, onde, aliás, quase 100 mil pessoas morrem a cada ano por overdose de opiáceos que nada têm a ver com a Venezuela, mas sim com as grandes farmacêuticas americanas.

Equador: o verdadeiro centro que ninguém quer ver

 

Enquanto Washington levanta o espectro venezuelano, os verdadeiros centros do narcotráfico prosperam quase sem serem incomodados. O Equador, por exemplo, com 57% dos contentores de banana que saem de Guayaquil e chegam a Antuérpia carregados de cocaína. As autoridades europeias apreenderam 13 toneladas de cocaína num único navio espanhol, proveniente precisamente de portos equatorianos controlados por empresas protegidas por funcionários do governo equatoriano.

A União Europeia elaborou um relatório detalhado sobre os portos de Guayaquil, que documenta como «as máfias colombianas, mexicanas e albanesas operam amplamente no Equador». A taxa de homicídios no Equador disparou de 7,8 por 100.000 habitantes em 2020 para 45,7 em 2023. No entanto, o Equador raramente é mencionado. Talvez porque o Equador produza apenas 0,5% do petróleo mundial e porque o seu governo não adquiriu o mau hábito de desafiar o domínio dos Estados Unidos na América Latina?

As verdadeiras rotas da droga: geografia vs. Propaganda

 

Durante os meus anos na UNODC, uma das lições mais importantes que aprendi foi que a geografia não mente. As rotas da droga seguem uma lógica precisa: proximidade dos centros de produção, facilidade de transporte, corrupção das autoridades locais e presença de redes criminosas consolidadas. A Venezuela não cumpre praticamente nenhum desses critérios.

A Colômbia produz mais de 70% da cocaína mundial. O Peru e a Bolívia concentram a maior parte dos 30% restantes. As rotas lógicas para chegar aos mercados norte-americano e europeu são o Pacífico em direção à Ásia, o Caribe Oriental em direção à Europa e, por terra, a América Central em direção aos Estados Unidos. A Venezuela, banhada pelo Atlântico Sul, encontra-se em desvantagem geográfica para as três principais rotas. A logística criminosa torna a Venezuela um ator marginal no vasto cenário do narcotráfico internacional.


Cuba: o exemplo vergonhoso

 

A geografia não mente, mas a política pode vencê-la. Cuba continua a ser o modelo a seguir em matéria de cooperação antidrogas nas Caraíbas. Uma ilha próxima da costa da Flórida, teoricamente é uma base ideal para o tráfico de drogas para os Estados Unidos, mas na prática está completamente fora do âmbito do tráfico de drogas. Tenho observado repetidamente a admiração dos agentes da DEA e do FBI pelas rigorosas políticas antidrogas dos comunistas cubanos.


A Venezuela chavista tem seguido consistentemente o modelo cubano na luta contra as drogas, iniciada pelo próprio Fidel Castro. Cooperação internacional, controlo territorial e repressão da atividade criminosa. Nem a Venezuela nem Cuba jamais tiveram grandes extensões de terra cultivadas com coca e controladas por grandes criminosos.


A União Europeia não tem interesses petrolíferos particulares na Venezuela, mas tem um interesse concreto em combater o narcotráfico que assola as suas cidades. A União elaborou o seu Relatório Europeu sobre Drogas 2025. O documento, baseado em dados reais e não em ilusões geopolíticas, nem sequer menciona a Venezuela como corredor do narcotráfico internacional.

 

Aqui reside a diferença entre uma análise honesta e uma narrativa falsa e insultuosa. A Europa precisa de dados fiáveis para proteger os seus cidadãos das drogas, pelo que elabora relatórios precisos. Os Estados Unidos precisam de justificação para as suas políticas petrolíferas, pelo que elaboram propaganda disfarçada de inteligência.

De acordo com o relatório europeu, a cocaína é a segunda droga mais consumida nos 27 países da UE, mas as principais fontes estão claramente identificadas: a Colômbia para a produção, a América Central para a distribuição e várias rotas através da África Ocidental para a distribuição. A Venezuela e Cuba simplesmente não figuram neste panorama.


Mas a Venezuela é sistematicamente demonizada contra todos os princípios da verdade. O ex-diretor do FBI, James Comey, ofereceu a explicação em suas memórias após sua renúncia, onde analisou as motivações inconfessáveis das políticas americanas em relação à Venezuela: Trump lhe disse que o governo de Maduro era «um governo sentado sobre uma montanha de petróleo que temos que comprar». Não se trata, então, de drogas, criminalidade ou segurança nacional. Trata-se de petróleo que seria melhor não pagar.


É, portanto, Donald Trump quem merece uma recompensa internacional por um crime muito específico: «calúnias sistemáticas contra um Estado soberano com o objetivo de se apropriar dos seus recursos petrolíferos».

 

 

 

Fonte: https://fusernews.com/opinion-el-gran-engano-contra-venezuela-la-geopolitica-del-petroleo-disfrazada-de-guerra-contra-las-drogas-por-pino-arlacchi/

 

 

 

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