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O "novo e violento sionismo" de Israel como prenúncio da geopolítica imperial de submissão e obediência
Para que um Leviatão funcione, ele deve permanecer racional e poderoso, escreve Alastair Crooke.
Publicado em 02/09/2025 07:50
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A estratégia de Israel nas últimas décadas continua a basear-se na esperança de alcançar uma "desradicalização" transformadora e literalmente quimérica tanto dos palestinianos, como da região em geral — uma desradicalização que tornará "Israel seguro". Este tem sido o objectivo "Santo Graal" dos sionistas desde a fundação de Israel. A palavra-chave para esta quimera hoje é "Acordos de Abraão".

 

Ron Dermer, Ministro dos Assuntos Estratégicos de Netanyahu, ex-embaixador israelita em Washington e principal "conselheiro" de Trump — escreveu Anna Barsky no Ma'ariv (hebraico) a 24 de Agosto — "vê a realidade com olhos políticos frios. Ele está convencido de que um acordo real [sobre Gaza] nunca será concluído com o Hamas, mas [apenas] com os Estados Unidos. O que é necessário, refere Dermer, é que os americanos adoptem os princípios de Israel: os mesmos cinco pontos que o Gabinete aprovou: desarmamento do Hamas, devolução de todos os reféns, desmilitarização completa de Gaza, controlo de segurança israelita na Faixa – e um governo civil alternativo que não seja o Hamas, nem a Autoridade Palestiniana".

 

Na perspetiva de Dermer, um acordo parcial de libertação de reféns — que o Hamas aceitou — seria um desastre político. Em contrapartida, se Washington endossasse o resultado de Dermer — como um "plano americano" —, Barsky infere que Dermer sugere: "teríamos uma situação em que todos se beneficiariam". Além disso, na lógica de Dermer, “a mera abertura de um acordo parcial dá ao Hamas uma janela de dois a três meses, durante a qual pode fortalecer-se e, até tentar obter um ‘cenário final’ diferente do dos americanos – um que seja mais adequado [ao Hamas]”. “Este, segundo Dermer, é o cenário verdadeiramente perigoso”, escreve Barsky.

 

Dermer insiste há anos que Israel não pode ter paz sem a prévia "desradicalização transformadora" de todos os palestinianos. "Se fizermos isso da maneira certa", diz Ron Dermer, "isso tornará Israel mais forte – e os EUA também!"

 

Há alguns anos, quando perguntaram a Dermer qual é que ele considerava ser a solução para o conflito na Palestina, ele respondeu que tanto a Cisjordânia, quanto Gaza deveriam ser totalmente desarmadas. No entanto, mais importante do que o desarmamento, era a necessidade absoluta de que todos os palestinianos fossem” desradicalizados" de forma mutacional.

 

Quando solicitado a dar mais explicações, Dermer apontou com aprovação para o resultado da II Guerra Mundial: os alemães foram derrotados, mas de uma forma mais significativa, os japoneses foram totalmente "desradicalizados" e tornados dóceis pelo fim da guerra:

"O Japão teve a presença de forças americanas durante 75 anos. Alemanha — forças americanas durante 75 anos. E se alguém pensa que isso foi por acordo no início, está a enganar-se a si mesmo. Foi imposto, e então eles entenderam que era bom para eles. E, com o tempo, surgiu um interesse mútuo em mantê-lo”.

 

Trump está ciente da tese de Dermer, mas aparentemente é Netanyahu quem instintivamente hesita, então Barsky escreve:

Um acordo parcial [com o Hamas] quase certamente levará à renúncia de Smotrich e Ben Gvir [do governo]... O governo desmoronará... Um acordo parcial significa o fim do governo de direita... Netanyahu sabe disso muito bem, e é por isso que a sua hesitação é tão difícil. No entanto, há um limite para quanto tempo se pode segurar a corda pelas duas pontas”.

 

Trump aparentemente aceita a “Tese de Dermer”: “Acho que eles querem morrer, e isso é muito, muito mau”, afirmou Trump sobre o Hamas antes de partir para sua recente viagem de fim de semana para a Escócia. “Chegou a um ponto em que vocês [ou seja, Israel] vão ter que terminar o trabalho”.

 

Mas a noção de Dermer sobre ter a consciência dos adversários marcada pela derrota, nunca se referiu apenas ao Hamas. Ela estendeu-se a todos os palestinianos e à região como um todo – e, é claro, ao Irão em particular.

Gideon Levy escreve que devemos agradecer ao ex-chefe da Inteligência Militar, Aharon Haliva, por admitir no Canal 12:

"Precisamos de um genocídio a cada poucos anos; o assassinato do povo palestiniano é um acto legítimo, até mesmo essencial". É assim que um general "moderado" das Forças de Defesa de Israel fala... matar 50 000 pessoas é "necessário".

 

Esta “necessidade” já não é “racional”. Ela transformou-se em sede de sangue. Benny Barbash, um dramaturgo israelita, escreve sobre os muitos israelitas que conhece, inclusive nas manifestações a favor de um acordo de troca de reféns por prisioneiros, que admitem francamente:

Ouça, sinto muito dizer isso, mas as crianças que estão a morrer em Gaza realmente não me incomodam nem um pouco. Nem a fome que existe lá, ou não. Realmente não me interessa. Vou ser sincero: no que me diz respeito, podem todos lá morrer.”

 

O Genocídio como legado das IDF, para o bem das gerações futuras”; “Por cada [israelita morto] no 7 de Outubro, 50 palestinianos têm de morrer. Agora não importa, crianças. Não estou a falar por vingança; é uma mensagem para as gerações futuras. Não há nada a fazer, eles precisam de uma Nakba de vez em quando para sentirem o preço”, cita Gideon Levy com sobriedade as palavras do general Haliva (ênfase acrescentado).

Isso deve ser entendido como uma profunda mudança no cerne do pensamento sionista (de Ben Gurion a Kahane). Yossi Klein escreve (no Haaretz Hebrew) que:

"Estamos realmente numa fase de barbárie, mas isto não é o fim do sionismo... [Esta barbárie] não matou o sionismo. Pelo contrário, tornou-o relevante. O sionismo teve várias versões, mas nenhuma se assemelhava ao novo sionismo, actualizado e violento: o sionismo de Smotrich e Ben-Gvir..."

O antigo sionismo já não é relevante. Ele estabeleceu um Estado e reviveu a sua língua. Não tem mais objectivos... Se você perguntar a um Sionista hoje em dia o que é o seu Sionismo, ele não saberia responder. "Sionismo" tornou-se uma palavra vazia... Até que Meir Kahane apareceu. Ele veio com um Sionismo actualizado cujos objectivos são claros: expulsar os árabes e assentar colonatos judeus. Este é um sionismo que não se esconde atrás de palavras bonitas. "Evacuação voluntária" faz com que ele se ria. "Transferência" encanta-o. Ele tem orgulho do "apartheid"... Ser sionista hoje é ser Ben-Gvir. Não ser Sionista é ser antissemita. Um antissemita [hoje] é alguém que lê o Haaretz...».

 

Smotrich declarou esta semana que o povo judeu está a viver "fisicamente" "o processo de redenção e o regresso da presença divina a Sião — enquanto se dedica à `conquista da terra´".

 

É essa linha de pensamento apocalíptico que se está a infiltrar na administração Trump nos seus vários formatos: está a metamorfosear a postura ética da administração para uma de “guerra é guerra, e deve ser absoluta”. Qualquer coisa menos do que isso deve ser vista como mera postura moral. (Essa é a compreensão talmúdica que surge da história de extermínio de Amaleque (ver Jonathan Muskat no Times of Israel)).

 

Portanto, podemos ver a nova obsessão de Washington pela decapitação de lideranças intransigentes (Iémen, Síria e Irão); o apoio à neutralização política do Hezbollah e dos Xiitas no Líbano; a normalização do assassinato de chefes de Estado recalcitrantes (como foi discutido para o imã Kamenei); e o derrube de estruturas estatais (ou seja, como planeado para o Irão em 13 de Junho).

 

A transformação de Israel para este Sionismo Revisionista – e o seu domínio sobre facções-chave do pensamento norte-americano – é precisamente a razão pela qual a guerra entre o Irão e Israel passou a ser vista como inevitável.

 

O líder supremo do Irão articulou explicitamente a sua compreensão das implicações no seu discurso público no início desta semana:

"Esta hostilidade [americana] persiste há 45 anos, ao longo de diferentes administrações, partidos e presidentes dos EUA. Sempre a mesma hostilidade, sanções e ameaças contra a República Islâmica e o povo iraniano. A questão é porquê?"

"No passado, eles escondiam a verdadeira razão por trás de rótulos como terrorismo, direitos humanos, direitos das mulheres ou democracia. Se o afirmavam, formulavam-no de forma mais polida, dizendo: ‘Queremos que o comportamento do Irão mude’”.

 

"Mas o homem que hoje ocupa o cargo nos Estados Unidos abandonou-o. Ele revelou o verdadeiro objectivo: “O nosso conflito com o Irão, com o povo iraniano, deve-se ao facto de o Irão ter de obedecer aos Estados Unidos”. É isso que nós, nação iraniana, temos de compreender de forma clara. Por outras palavras: uma potência mundial espera que o Irão — com toda a sua história, dignidade e legado como grande nação — seja simplesmente submisso. Essa é a verdadeira razão de toda a inimizade."

 

Aqueles que argumentam: ‘Por que não negociar directamente com os Estados Unidos para resolver os seus problemas?’ também estão a olhar apenas para a superfície. Essa não é o verdadeiro problema. O verdadeiro problema é que os EUA querem que o Irão obedeça às suas ordens. O povo iraniano está profundamente ofendido por um insulto tão grande e irá opor-se com toda a sua força a quem quer que tenha uma expectativa tão falsa em relação a ele... O verdadeiro objectivo dos EUA é a submissão do Irão. Os iranianos nunca aceitarão este «grande insulto."

"Desradicalização" na tese de Dermer significa instalar um "despotismo semelhante ao Leviatão, que reduz a região à impotência total — incluindo a impotência espiritual, intelectual e moral. O Leviatão total é um poder único, absoluto e ilimitado, espiritual e temporal, sobre outros seres humanos”, como observou o Dr. Henri Hude, ex-chefe do Departamento de Ética e Direito da prestigiada Academia Militar Saint-Cyr, na França.

 

O anterior Provedor das IDF, Major-General (Res.) Itzhak Brik, também alertou que a liderança política de Israel está “a jogar com a própria existência de Israel”:

Eles pretendem conseguir tudo através da pressão militar, mas, no final, não conseguirão nada. Colocaram Israel à beira de duas situações impossíveis [–] o início de uma guerra total no Médio Oriente [e, ou, em segundo lugar] a continuação da guerra de desgaste. Em qualquer uma das situações, Israel não conseguirá sobreviver por muito tempo”.

 

Assim, à medida que o Sionismo se transforma no que Yossi Klein definiu como "Barbárie em fase avançada", surge a questão: poderia a "guerra sem limites" funcionar, apesar do profundo cepticismo de Hude e Brik? Poderia esse "terror" israelita impor ao Médio Oriente uma rendição incondicional "que lhe permitiria mudar profundamente, militar, política e culturalmente, e transformar-se em satélites israelitas dentro de uma Pax Americana global?"

 

A resposta clara que o Dr. Hude dá no seu livro Philosophie de la Guerre é que a guerra sem limites não pode ser a solução, porque não pode proporcionar uma "dissuasão" ou desradicalização duradouras:

"Pelo contrário, é a causa mais certa da guerra. Deixando de ser racional, desprezando os oponentes que são mais racionais do que ele, despertando oponentes que são ainda menos racionais do que ele, o Leviatão cairá; e mesmo antes da sua queda, nenhuma segurança está garantida."

 

Hude identifica também que essa "vontade de poder" extrema e sem limites, pois necessariamente contém a psique de autodestruição dentro dela.

Para que um Leviatão funcione, ele deve permanecer racional e poderoso. Ao deixar de ser racional, desprezando os adversários que são mais racionais e irritando os adversários que são menos racionais do que ele próprio, o Leviatão deve então cair — e cairá.

É precisamente por isto que o Irão, mesmo neste momento, sabe que deve preparar-se para a Grande Guerra, à medida que o Leviatão "emerge". E o mesmo deve fazer a Rússia — pois trata-se de uma única guerra travada contra os recalcitrantes à nova ordem americana.

 

 

Autor: Alastair Crooke

1 de setembro de 2025

 

Fonte: https://strategic-culture.su/news/2025/09/01/israels-new-violent-zionism-as-a-harbinger-of-imperial-geo-politics-of-submission-and-obedience/

 

 

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