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Três homens e um país refém
Um primeiro-ministro que teme a prisão, dois ministros que governam para cumprir uma profecia.
Publicado em 05/10/2025 16:23
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Israel, a chamada “única democracia do Médio Oriente”, encontra-se hoje refém. Refém de três homens cujas ambições pessoais e ideológicas se sobrepõem às necessidades do Estado. Um primeiro-ministro que teme a prisão; dois ministros que governam como se cumprissem uma profecia, acreditando que a terra é exclusivamente deles e que qualquer concessão é traição.

Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, não é um político comum. Passou pelo extremismo, foi condenado várias vezes por incitamento ao racismo e por apoiar um grupo terrorista — o Kach, banido em Israel nos anos 1990 por defender a expulsão dos árabes e a criação de um Estado exclusivamente judeu. Hoje controla a polícia e parte dos serviços de segurança internos, enquanto declara com frieza: “O meu direito, o direito da minha esposa e dos meus filhos de circularem na Judeia e na Samaria, é mais importante do que a liberdade de circulação dos árabes.” Não é apenas uma frase polémica — é a síntese de uma ideologia que transforma a lei em instrumento de exclusão, um mantra de supremacia que se tornou política de Estado.

Ao lado dele, Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, reforça a narrativa de supremacia religiosa e nacionalista. Detido em 2005 por suspeita de planeamento de um ataque terrorista contra a retirada do exército de Gaza, Smotrich insiste: “Não existe povo palestiniano” e que "pode ser justo e moral" matar os habitantes de Gaza à fome. Ainda há poucas semanas, numa reunião no parlamento com as famílias dos reféns, o ministro apelidou os protestos destes como "protestos cínicos", o que levou os seguranças presentes a terem de intervir no alvoroço que se criou a seguir ao comentário. A sua visão não é abstracta; é política e prática, traduzida em políticas que mantêm milhões de pessoas sob ocupação e invisíveis aos olhos da lei internacional. Quando fala de segurança e soberania, não fala de protecção: fala de domínio absoluto com mais anexações e colonatos.

Ambos, Ben-Gvir e Smotrich, ameaçaram abertamente e publicamente por várias vezes derrubar o governo caso Netanyahu cedesse em pontos que contrariassem as suas convicções e posições. O poder, para eles, não é apenas política: é destino, é missão, é teologia aplicada. Qualquer cessar-fogo, qualquer solução pacífica que inclua concessões territoriais, não é uma estratégia falhada — é heresia.

Num dos pontos notáveis deste triângulo, encontra-se Benjamin Netanyahu. Primeiro-ministro e sobrevivente político, acossado por múltiplos processos de corrupção, fraude e abuso de confiança, agora também alvo de acusações de crimes de guerra no âmbito do mandato internacional do Tribunal Penal Internacional. O peso das investigações é tanto político quanto pessoal. Um dos seus antecessores, Ehud Olmert, cumpriu pena de prisão por muito menos do que aquilo de que Netanyahu é hoje acusado. E o actual primeiro-ministro sabe perfeitamente o que o espera se deixar o poder: a prisão. É o poder e a continuação do conflito que o protege — e ele sabe disso. Netanyahu descreve as acusações de corrupção como fruto de um “oceano de absurdo”, uma guerra jurídica que se mistura com a batalha pelo poder. Sabe que a sua sobrevivência política depende da lealdade de Ben-Gvir e Smotrich, mesmo que isso sacrifique qualquer possibilidade de paz.

O Presidente de Israel, consciente desta tensão, admitiu há poucos dias que poderia conceder um perdão presidencial a Netanyahu, revelando a fragilidade institucional: o Estado refém do cálculo político e da ambição pessoal.

O plano agora sobre a mesa — parar o conflito, impedir novas anexações e abrir caminho para uma solução política — confronta-se com a ideologia de três homens que veem a paz como derrota. A racionalidade e a urgência da proposta chocam com a obstinação ideológica. Israel pode até assinar acordos sob pressão internacional, mas enquanto esses três homens moldarem a política, qualquer cessar-fogo será apenas uma pausa entre duas tempestades. Só um louco acredita que estes 3 homens irão aceitar de forma permanente aquilo que a comunidade internacional exige.

E o mundo observa, quase impotente e resignado, enquanto decisões vitais são moldadas não pelo interesse nacional e global, mas pelo medo da prisão, pela fé numa missão divina e pelo culto ao poder. Três homens, uma democracia à beira do abismo, e a história de um Estado que parece refém deles.

RiseUP Portugal

 

Grupo Movimento Cidadania e Democracia

 

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