Para o patronato nacional e para as forças políticas que o representam, o padrão de governação ideal é o da troika. Essa referência da nossa história recente não pode ser esquecida porque está aí a evidência prática dos propósitos do Governo e das confederações patronais ao meterem mãos à revogação das leis laborais. Submeter o trabalho à exclusiva vontade de gestores e patrões (e mesmo aos humores de uns e outros), retirar ao trabalho os meios de resistir às medidas ditatoriais que o capital entenda levar a cabo, reduzir os trabalhadores a um somatório de indivíduos facilmente manipuláveis, colocá-los em concorrência fratricida uns com os outros (nacionais ou imigrantes) – é essa a finalidade, mal disfarçada com a propaganda reles de “fazer crescer o país”.
Será dessa submissão da força de trabalho, esperam patrões e Governo, que resultará a baixa dos salários (directos e indirectos) e, correlativamente, a subida das margens de lucro. A isto soma-se a prometida redução dos impostos sobre o capital, o que acarreta a diminuição das verbas do Estado para acorrer aos apoios sociais – logo, mais ganhos patronais e mais quebras para os trabalhadores.
Ao contrário do que se ouve repetidamente dizer, a aposta não é no aumento consistente da produtividade, o que exigiria investimentos de capital, privado ou estatal, que fizessem subir a potência da força de trabalho. Ora, isso está fora dos planos, quer do Governo, quer dos patrões. Nem o capital privado, nem o público estão nisso empenhados. “Produzir mais para distribuir mais”, outro dos slogans cansativamente repetidos, não passa de uma mentira canhestra para justificar a eternização de salários de miséria, encobrindo a debilidade de um capitalismo em marasmo, sem futuro e por isso predador. A aposta é, tão só, reduzir a parte do trabalho no valor produzido para que o capital arrecade mais.
No plano político, poucas vezes terá sido tão evidente a sobranceria, o despudor e a união de toda a direita no propósito de alvejar os trabalhadores – desde os partidos do Governo aos seus acólitos parlamentares, em uníssono com as organizações patronais. No desgraçado período de 2011-2015, com Passos Coelho a executar, de sebenta na mão, os ditames da troika, ainda foi invocada a desculpa da “bancarrota” para tentar justificar a violência da austeridade imposta ao trabalho. Agora, o espírito castigador da troika (amesquinhar os trabalhadores faz parte da idiossincrasia burguesa) é recuperado por Montenegro, mesmo quando ele próprio se vangloria de que a economia está “saudável”, ou seja, quando os negócios apesar de tudo vão rendendo.
Visto pela superfície, o novo pacote laboral pode soar a uma desforra da direita e do capital pelo interregno imposto, entre 2015 e 2023, ao rumo iniciado pela troika em 2011. Mas olhado mais a fundo, a conclusão que se impõe é outra: a economia, os negócios não estão assim tão bem como pretende o Governo (Europa em desconcerto, energia cara, perda de mercados, estagnação, o sorvedouro da guerra…) – e por isso o patronato trata de cavar trincheiras para enfrentar os cataclismos que ameaçam o horizonte próximo.
A questão da revogação das leis laborais coloca-se, portanto, eminentemente, no campo da luta de classes. O ataque conduzido pelo Governo, apoiado por toda a direita, em representação do Capital, tem de ser respondido pela outra parte – o Trabalho (operários, todos os trabalhadores, imigrantes incluídos na primeira linha, homens e mulheres, efectivos ou precários, no activo ou reformados) – como uma luta das classes trabalhadoras pela defesa dos interesses próprios das classes trabalhadoras. Classe contra classe.
“O salário é determinado pela luta aberta entre capitalista e operário” (Karl Marx, Manuscritos de 1844). Luta aberta!
Fonte: https://www.jornalmudardevida.net/2025/11/18/luta-de-classes-senhores-e-luta-de-classes/