A sul dos Balcãs, em Sofia e noutras cidades da Bulgária, o povo saiu às ruas. Contra o orçamento do Estado para 2026 - o primeiro em euros, já com vista à entrada no euro em janeiro - dezenas de milhares protestaram. A proposta previa aumentos nas contribuições para a segurança social, subida de impostos sobre dividendos, e uma carga fiscal que recairia sobre trabalhadores e pequenos negócios.
A reação foi rápida e bruta. Os manifestantes cercaram o Parlamento, formaram correntes humanas, tentaram bloquear a saída dos deputados, e houve confrontos com a polícia - pedras, garrafas, gritos de “demissão”. Em poucas horas, o governo sentiu o golpe: retirou o orçamento, anunciou recuos e prometeu novo diálogo. A mensagem foi clara: ou contas justas com o povo - ou fogo nas ruas.
Do outro lado da Europa, em Portugal, a cena é diferente - mas não menos grave. O governo português propõe uma revisão profunda da lei laboral: alterações a contratos, banco de horas, férias, condições de trabalho - num pacote que os sindicatos consideram um “ataque brutal aos direitos dos trabalhadores”.
Como resposta, as duas maiores centrais sindicais do país, CGTP IN e UGT, decidiram unir forças e convocaram uma greve geral para 11 de dezembro de 2025 - a primeira greve conjunta desde 2013.
Mas há uma diferença evidente: a greve em Portugal - embora anunciada e organizada - ainda não implica necessariamente confrontos nas ruas. A resistência é institucional, laboral, “pacífica” no sentido de ser organizada, legal, através de sindicatos, contratos de trabalho, e paralisações. Não há, pelo menos por agora, uma “corrente humana” a cercar o Parlamento, nem pedras lançadas, nem polícia a proteger deputados. O conflito é de paragens de trabalho, de economia e de pressão social - outro tipo de fogo.
O que revela esta dualidade?
Na Bulgária: a insatisfação popular é imediata, visceral; o Estado propõe medidas que afetam diretamente o dia a dia dos cidadãos, há percepção de injustiça, e a resposta popular - jovem, urbana, espontânea - não aceita negociar antes de resistir. A retirada do orçamento foi a prova de que o poder pode recuar, quando a pressão social é forte e massiva.
Em Portugal: a contestação existe, mas estruturada - através de sindicatos, convocatórias, greve. O conflito dá-se no quadro das leis, dos contratos, da representação coletiva. A mobilização não é fruto apenas da espontaneidade, mas de organização histórica dos trabalhadores; o impacto imediato é diferente - e a esperança depende da adesão dos trabalhadores à greve.
O aviso comum aos dois países
Ambos os cenários evidenciam que, quando governos tentam ajustar contas, aumentar contribuições, modificar direitos ou reduzir custos sociais, a resistência popular ou laboral torna-se inevitável - seja sob forma de protestos nas ruas, seja sob forma de greve e paralisação.
O que separa os dois cenários não é a gravidade da crise, mas a forma de reação: a Bulgária dá-se em “fogo explícito”, com ruas, massas, confrontos; Portugal prefere o “fogo lento”, a chama sindical, a greve - com todas as consequências económicas e sociais disso. E em ambos os casos, o governo tem um dilema: ou se dobra às exigências da população/trabalhadores - ou arrisca uma crise de legitimidade, com consequências imprevisíveis.
A reflexão final que deveríamos fazer: Talvez devêssemos aceitar que orçamentos e leis não são meras folhas de cálculo: são contratos de convivência social. E quando esses contratos são alterados sem consenso, a reação vem - seja em correntes humanas nas praças da Bulgária, seja em paralisações de produção e serviços em Portugal.
Se há uma lição a tirar: é que o poder real não está só nos votos, mas na voz coletiva - e em quem a sustenta com ação concreta.
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