Enquanto em Bruxelas se mede cada palavra com régua jurídica e se pesa cada decisão com balança política, Moscovo dispensa instrumentos de precisão. Putin não oferece nuances, não propõe mecanismos intermédios, não convoca grupos de trabalho. Limita-se a afirmar: a Rússia atingirá os seus objetivos, independentemente do que a União Europeia decidir.
Não é bravata. É método. A frase funciona como contraponto perfeito à liturgia europeia. De um lado, uma União que debate se pode usar, como pode usar, quando pode usar e quem ficará juridicamente responsável por usar ativos que ninguém ousa tocar. Do outro, um Estado que declara fins estratégicos e aceita os custos associados como parte do processo. Não porque sejam leves, mas porque foram assumidos desde o início.
A clareza russa não decorre de superioridade económica ou moral. Decorre de algo mais simples e mais desconfortável para a Europa: a disposição para suportar perdas prolongadas em nome de um objetivo político definido. A UE, pelo contrário, continua prisioneira da sua própria sofisticação institucional - onde cada avanço precisa de consenso, cada risco de partilha e cada responsabilidade de diluição.
Quando Putin diz “seja qual for a decisão da UE”, está a dizer algo ainda mais perturbador: as decisões europeias já foram contabilizadas no cálculo russo. Sanções, congelamentos, novos instrumentos financeiros - tudo isso deixou de ser fator dissuasor e passou a ser variável estrutural. A Rússia ajusta-se; a UE reage. E quem reage raramente controla o ritmo do conflito.
O problema para Bruxelas não é a falta de poder, mas a dificuldade crónica em convertê-lo em ação estratégica coerente. A UE possui capital, mercados, tecnologia e capacidade industrial. O que não possui - ou pelo menos não demonstra - é tolerância política ao custo, continuidade temporal e uma narrativa comum que sobreviva a ciclos eleitorais e divergências nacionais.
Assim, cada cimeira “decisiva” produz comunicados irrepreensíveis e efeitos limitados. Cada solução “inovadora” adia a assunção do risco real. E cada adiamento reforça, paradoxalmente, a posição daquele que diz não depender das decisões europeias para avançar.
Putin não promete vitórias rápidas. Promete persistência. E isso basta para colocar a União Europeia em dificuldade estrutural. Porque, no atual equilíbrio, a UE precisa que as suas decisões tenham impacto imediato; a Rússia precisa apenas que não alterem o seu curso.
No fundo, a contrapartida russa é clara porque foi simplificada ao extremo: objetivos fixos, custos assumidos, tempo ilimitado. A europeia continua complexa, cautelosa e juridicamente elegante - qualidades admiráveis em tempos de normalidade, mas insuficientes quando confrontadas com um adversário que opera fora desse registo.
E é precisamente aí que reside o desconforto europeu: não no que a Rússia diz, mas no facto de dizer exatamente o que pensa - enquanto a União ainda discute como o poderá dizer sem se comprometer demasiado.
Autor: João Gomes in Facebook